O Estado do Piauí e a isenção do IPVA para crianças autistas e pessoas com deficiência

O Estado do Piauí tem sistematicamente negado a isenção de IPVA para crianças autistas e pessoas com deficiência, contrariando os princípios constitucionais da dignidade, inclusão e isonomia tributária. A questão levou à instauração de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) no Tribunal de Justiça do Estado, com base em divergências jurisprudenciais sobre a legitimidade da exigência de que o beneficiário da isenção seja condutor do veículo. Decisões recentes no TJPI e no STJ reconhecem a inconstitucionalidade dessa exigência, defendendo uma interpretação inclusiva da legislação tributária. Com o IRDR, todos os processos relacionados ao tema foram suspensos até decisão final, enquanto famílias aguardam por um desfecho justo e alinhado aos direitos das pessoas com deficiência.

A negativa administrativa à isenção do IPVA para crianças autistas e pessoas com deficiência, praticada pelo Estado do Piauí, contraria os princípios de proteção e inclusão assegurados pela legislação vigente. A Lei nº 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência – garante o direito ao tratamento prioritário e ao acesso a benefícios fiscais, os quais, por interpretação extensiva e fundamentada, incluem o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Nesse contexto, destaca-se a instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 0760469-56.2024.8.18.0000, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. O IRDR foi proposto pelo Exmo. Desembargador Erivan Lopes nos autos do Mandado de Segurança Cível nº 0757208-20.2023.8.18.0000, em que se discute, preliminarmente, a legitimidade do Secretário de Fazenda do Estado e, consequentemente, a competência para o julgamento da matéria.

Divergências jurídicas e jurisprudência

Foram apontadas como divergências no IRDR:

  • O entendimento quanto à legitimidade e competência para julgamento dos processos relativos à isenção do IPVA para pessoas com deficiência, incluindo aquelas com TEA;
  • A interpretação sobre a necessidade de o beneficiário ser condutor do veículo ou possuir veículo adaptado para fins de isenção.

A jurisprudência do TJPI tem caminhado para uma interpretação mais inclusiva. O Desembargador João Gabriel Furtado Baptista concedeu liminar em favor de uma pessoa com TEA, destacando que, conforme decisão anterior do próprio tribunal:

“Em observância aos princípios da isonomia federativa, da igualdade tributária e da proteção às pessoas com deficiência, não é lícito ao Poder Público conceder isenção de IPVA somente aos portadores de necessidades especiais que necessitam adaptar os seus veículos.”

Essa posição é respaldada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que firmou entendimento de que:

“É discriminatória e fere o princípio da isonomia tributária a exigência de que o veículo seja conduzido pelo próprio solicitante, uma vez que exclui aqueles que dependem de outra pessoa para se locomover. O fato de o veículo ser conduzido por terceira pessoa não constitui impedimento para a concessão da isenção do IPVA, pois a intenção do legislador é justamente viabilizar a locomoção das pessoas com transtorno do espectro autista.”
(STJ – RMS 51424/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14/05/2019)

Comparativo com o tratamento da União

O Desembargador Vidal Filho também observa que, diferentemente do Estado do Piauí, a União concede isenção de IPI independentemente de o beneficiário ser condutor do veículo. Isso reforça a necessidade de que o tratamento fiscal estadual seja ajustado aos princípios constitucionais, como a isonomia e a dignidade da pessoa humana.

“Viola princípios constitucionais a concessão de isenção de IPVA a um deficiente físico que necessite de um automóvel especial, e se negue o mesmo benefício a outro que sequer pode utilizar adaptações especiais, pois nem dirigir lhe é possível.”

Princípios constitucionais e necessidade de interpretação inclusiva

Os magistrados têm, acertadamente, interpretado a legislação tributária de forma inclusiva, valorizando a função social do imposto e promovendo o acesso aos direitos dessas famílias. Essa abordagem está em consonância com os fundamentos do Estado Democrático de Direito, sobretudo os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Assim, é imperativo que as normas legais relativas à isenção do IPVA sejam interpretadas de forma a contemplar todas as pessoas com deficiência, em todos os níveis de complexidade, independentemente de serem condutoras do veículo.

Suspensão dos processos e expectativa por uma solução definitiva

Com a admissão do IRDR pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, todos os processos judiciais relacionados à isenção do IPVA para pessoas com deficiência foram suspensos até o julgamento final do incidente. Enquanto isso, famílias com filhos autistas e com outras deficiências aguardam uma solução definitiva que seja justa, constitucional e alinhada ao interesse superior da criança.

Todo o conteúdo deste artigo é de responsabilidade da autora, Rosa Nina Carvalho Serra. Agradecemos pela sua contribuição e perspectiva.

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